Reflexões sobre a idiotanormatividade
Quando eu tinha 12 anos de idade eu pensei que teria que aturar a
idiotice inerente aos juvenis só por mais uns seis anos; conforme o
tempo passa, percebo que o Brasil é o país com maior número de
adolescentes de 50, 60, 70 anos.
Costumo definir
“Idiotanormatividade” como o plexo de presunções juris tantum que
permeiam as relações sociais de que somos todos idiotas, analfabetos e
coitadinhos. Paira, na sociedade, uma verdadeira tirania de um imbecil
coletivo em face aos direitos fundamentais de primeira geração.
A causa destas presunções é que realmente esta é a regra geral, a
norma, e, em razão disto, pensa-se que é sempre assim. Os professores,
por exemplo, estão tão acostumados a corrigirem textos horríveis e
grotescos, que quando leêm um texto diferenciado e original, porém
outside the box, pensam que é mais uma pérola do ENEM e dão
instantaneamente uma nota baixa. Esquecem que não é porque todos os
cisnes que você viu até hoje são brancos que o próximo não pode ser
negro.
Poucas coisas chocam a sociedade tanto quanto o simples fato de não ser um idiota. Sempre que alguém me conhece, já sinto nele(a) implicitamente a expectativa de ter conhecido mais um idiota. E confesso que tenho preguiça ou tédio de explicar que não sou... até porque eles não acreditam que seja possível alguém não o ser.
Nelson Rodrigues, que era um grande especialista em idiotas, dizia que “O grande
acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do
idiota”. Olavo de Carvalho comenta isto dizendo que antigamente ser
idiota era motivo de vergonha, haviam idiotas, mas eles não se gabavam
desta condição, ficavam recatados... porém ser idiota hoje é algo do
qual eles se vangloriam. Realmente, no século XX os idiotas tomaram
conta e passaram a ser o padrão normativo de conduta.
Sobre a debacle cultural do século XX, Dr. Ben Carson, no seu célebre
discurso contra o politicamente correto na Casa Branca, na presença de
Barack Obama, disse que uma prova da sexta série no século XVIII era
mais difícil que uma prova de uma universidade atual nos Estados
Unidos... Este fenômeno de Deliberate Dumbing Down está acontecendo
inegavelmente, mas, o sapo não percebe que a água da panela esquenta,
por isso não pula...
Os idiotas sentem-se
confiantes e reinantes, dão conselhos para pessoas mais inteligentes e
mais estudadas, tudo isso por um único motivo: apesar de, no seus
íntimos, saberem que são menos inteligentes e menos estudados, eles
sentem que o comportamento idiota é o padrão vigente, a norma cogente.
O escritor francês Georges Bernanos, que morou no Brasil, dizia "A cólera dos imbecis inunda o mundo.". Realmente, os idiotas quando alguém diverge da norma deles ficam furiosos.
O Plano Nacional de Direitos Humanos-3 tem como uma diretriz ou ação
programática a “desconstrução da heteronormatividade”. De fato, não se
pode negar, a sociedade é normatizada pelo padrão de comportamento dos
heterossexuais. Mas por que O PNDH-3 não se preocupa em tutelar os que
são vítimas dos idiotas e desconstruir a idiotanormatividade, que também
é um fato inegável? Parece-me que os defensores das minorias só pensam
nos gays, negros e índios, não estão nem aí para as outras minorias
oprimidas...
Nelson Rodrigues também dizia que “A
maior desgraça da democracia, é que ela traz à tona a força numérica dos
idiotas, que são a maioria da humanidade.”. Este argumento é, sem
dúvida, a refutação, pelo menos parcial, de um dos grandes dogmas da
modernidade: a democracia.
Os idiotas são muito competentes para problemas práticos do dia a dia, como por exemplo, contratar
um serviço ou consertar algo quebrado, mas, do ponto de vista
filosófico, eles são completamente inocentes, falta-lhes uma malícia,
falta-lhes aquele 1%.
Eles parecem muito bons e
são realmente capazes de resolver quase todos os problemas da existência
humana, os de cunho prático, com grande destreza, mas quando a porca
aperta e a vida cobra seu preço eles se desesperam and break just like a
little girl.
Em outras palavras, observo que os
idiotas, apesar de uma aparência triunfal e imponente que domina o
ambiente na maior parte do tempo, não estão preparados para lidar com
problemas inexoráveis da existência humana e são, no fim das contas,
escravos e caricaturas de seus vícios.
Sempre achei
impressionante como a natureza imita as relações sociais, na química,
por exemplo, a velocidade das reações é determinada pela etapa mais
lenta, já nas mesas, o tema e a profundidade das conversas são sempre
determinados pelo mais idiota.
Acho engraçado
também a visão esquemática que os idiotas têm da vida: eles possuem uma
receita para tudo, em especial para a felicidade. O filósofo Luiz Felipe
Pondé chegou até mesmo a cunhar o termo “Tirania da Felicidade” que
entendo ser mais uma forma de opressão causada pelos idiotas, que não
toleram que ninguém não seja feliz seguindo seus esqueminhas para a
felicidade.
Também é digno de nota que os idiotas
se consideram extremamente compreensivos. Se alguém está supostamente
passando um problema, por estar doente, por exemplo, eles fazem um
biquinho com carinha de pena, pressupondo mesmo que a pessoa está triste
só por que está passando por um problema. Na realidade, isto é apenas
uma forma estereotipada de ver o problema. Há pessoas que não se abalam e
continuam firmes, mas para os idiotas, é necessário que se ficar doente
tem que ficar triste e mal – apenas mais um estereótipo.
As pessoas com deficiência, por exemplo, certamente, são vítimas desta
pena o tempo inteiro, mas elas mesmas, ou pelo menos boa parte delas, já
estão bem resolvidas e aceitaram suas condições, mas a cada nova pessoa
idiota que encontram pela frente, precisam explicar que não precisa
ficar com pena delas e etc...
Talvez isto seja um
indício de que se a doença ou a deficiência acometesse os idiotas, eles
iriam se destruir em depressão, em razão da falta de estamina espiritual
e mental.
Creio que parte do sucesso de The
Walking Dead pode ser explicado pelo fato de que o comportamento dos
zumbis ser semelhante ao da maioria das pessoas: uma mistura de
animalesco com robotizado.
Os idiotas tomam
decisões com base em estereótipos, do tipo “toda loira é burra” ou “quem
ouve metal é assim.” ou “quem gosta de livro de vampiro é assado.” ou
“todo japonês é estudioso.”. Eles realmente raciocinam neste nível,
ainda que neguem. Eles não conseguem efetivamente compreender a imensa
complexidade do ser humano e o caráter multifacetado de nossos
comportamentos. Se identificam apenas uma característica em você, pensam
que sua vida se resume a isto.
Os idiotas se
acham doutores em psicologia só porque leram duas crônicas de Rubem
Alves. E o que dizer da presunção de que no trabalho todos são irmãos e
amigos de infância, desde o primeiro dia em que se conhecem?
Por fim, saliento que os idiotas quase sempre são imprecisos em
definições, parecem jornalistas bêbados, falta-lhes um rigor
metodológico: confundem liberal com neoliberal, mico-leão dourado com
leão, maçã verde com pêra, Iuguslávia com Tchecoslováquia e qualquer
outra coisa que pareça uma com a outra, por alguma razão. Dizem, por
exemplo, que sou muito paciente, mas, assim como Paulo Francis, eu não
tenho paciência alguma para os idiotas, ocorre que sou completamente
resignado ante a inexpugnável animalice humana.
Pode parecer que estou estressado e raivoso ao escrever isso, mas assisto tudo isso com um sorriso interior:
Sorriso Interior
O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.
Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
O ser que é ser tranforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!
Cruz e Sousa
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